Pular para o conteúdo principal

Mega-sena, Rennê Senna e a viúva da sena




      Parecia um trava-língua pela repetição da palavra. Embora não sejam iguais, pois as palavras são grafadas de forma diferente: uma tem a letra “n” repetida, trazendo à lembrança a figura do supercampeão Ayrton Senna (da Silva – tinha, desculpe dizer, o brasileiríssimo Silva no sobrenome para caracterizá-lo como conterrâneo). O mesmo campeão que teve o seu nome, após a morte, louvado numa música da dupla sertaneja Milionário e José Rico: O herói da velocidade. Aquele mesmo campeão que, num show da lendária Tina Turner, quando ela cantava um dos seus maiores sucessos – The best –, no verso que retrata o nome da canção, Tina aponta para Ayrton Senna como se ele fosse - e era -o melhor. Há video no Youtube retratando a cena.
      Mas o Rennê não tinha essa “bola toda”: tinha era muito dinheiro, recebido por, fazendo jus ao seu sobrenome, porém sem um dos enes, ter acertado o prêmio da mega-sena, “papando” 51 milhões de reais. Ele era um humilde lavrador e teve que amputar as pernas em razão de diabetes mal curada. Com essa tragédia, ele ficou, óbvio, impedido de continuar trabalhando, o que o levou a tornar-se um humilde vendedor de doces na beira da estrada. Corria o ano de 2005 e pobre vendedor de doces, a quem a vida tinha sido uma madrasta, gastando apenas 1 real, que era o preço da aposta mínima, levou sozinho o prêmio da mega.      
      No ano seguinte, já milionário, conheceu Adriana, a quem foi apresentado por sua irmã – dele, Rennê -, com quem trabalhava num salão de beleza. Teria sido “love at first sight”, não se sabe se pelo milionário ou pelo seu dinheiro ou ambos. Iniciaram um namoro que se transformou em convivência marital, tendo ela passado a administrar os bens do companheiro. Mas esse idílio, que não ouso comparar a um conto de fadas, teve curta duração: em janeiro de 2007, o milionário Rennê foi morto por dois encapuzados em Rio Bonito, uma cidade da área do Grande Rio. Como sói acontecer em casos que tais, as primeiras suspeitas recaíram sobre a viúva. Convém esclarecer que tal comportamento não ocorre somente no Brasil: nos EUA, sempre que ocorre um homicídio em família as primeiras investigações miram os familiares; se for morte de cônjuge, o primeiro suspeito é sempre o cônjuge – para usar uma expressão jurídica – supérstite.
      As investigações descobriram que os dois encapuzados eram seguranças de Rennê, de nomes Anderson e Ednei, ambos já julgados e condenados a 18 anos de prisão cada um. No ano de 2011, foi levada a julgamento, e o Conselho de Sentença, composto por cinco homens e 2 mulheres, absolveu-a, mas o Ministério Público, fundamentando-se em dois argumentos – violada a incomunicabilidade entre os jurados e decisão manifestamente contrária à prova dos autos -, recorreu e o Tribunal de Justiça de estado do Rio de Janeiro deu provimento ao recurso, determinando que Adriana fosse julgada novamente.
      A nova sessão de julgamento, depois de três dias, encerrou-se no dia 15 de dezembro de 2016, e o Conselho de Sentença, agora composto por cinco mulheres e dois homens, condenou-a (não se sabe a contagem dos votos: depois de uma reforma processual penal, é praticamente impossível saber a contagem). O juiz-presidente do Tribunal do Júri impôs-lhe 20 anos de reclusão, com cumprimento inicialmente no regime fechado – e, pela lei, nem poderia ter regime prisional inicial que não fosse o fechado. O título deste escrito bem poderia ser outro: feliz no jogo, infeliz no amor...
     Adriana foi apelidada de "viúva" da sena: em sentido completo, poderia ser "viúva do Senna (Rennê, para não confundir)" e da sena-mega...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...