Seu Sebastião
era uma dessas pessoas pacatas, com aparência de agricultor, daqueles que parecem ter
todo o tempo do mundo à sua disposição: calmo, de boa aparência – aparência de
lavrador, óbvio.. Faltava, para completar o quadro, apenas um “picadão” na mão
e um chapéu de palha na cabeça. Morava numa cidade pequena, próxima a Campinas.
Um filho seu, já
maior de idade, mas que morava com os pais, começou a portar-se mal, culminando
por ser denunciado e processado por tráfico de entorpecente. Começaram a partir
daí as desavenças entre ambos.
Uma noite
desentenderam-se mais uma vez e Seu Sebastião, com uma faca na mão, investiu
contra o filho, que saiu correndo da casa, sendo perseguido por seu pai.
Corriam em volta da casa; Seu Sebastião alcançou-o e desferiu-lhe uma facada,
uma só, mas que foi certeira, atingindo o coração. O filho morreu; o pai foi
preso em flagrante.
A cena fora
presenciada por um genro de Seu Sebastião, que se achava no local e a descreveu
ao Delegado de Polícia.
Durante a
instrução do processo, ele negou, quando de seu interrogatório judicial, haver
esfaqueado o filho: formulando uma versão estapafúrdia, dizia que o filho é que
estava armado e que investira contra ele, acabando por ter a faca enterrada no
peito por acidente durante a luta corporal entre ambos. Nessa época, a defesa
somente passava a trabalhar após o interrogatório judicial. O genro, ouvido em
juízo, confirmou aquilo que dissera ao Delegado.
Foi
pronunciado, homicídio simples. No dia de seu julgamento pelos sete jurados,
antes de iniciar-se, fui conversar com ele na pequena cela do primeiro andar do
fórum. Expliquei que faria a sua defesa com base no homicídio privilegiado:
crime praticado “sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima”[1].
Tinha um bom argumento: o fato do filho estar envolvido em tráfico de
entorpecente. Mas, para adotar essa tese, expliquei-lhe, ele deveria admitir
que desferira a facada em seu filho. Ele me afirmou que não fora ele, repetindo
a versão que dissera ao juiz quando interrogado. Repliquei, dizendo-lhe: “o seu
genro vai depor hoje e dizer que o senhor correu atrás de seu filho com a faca
na mão, desferindo a facada quando o alcançou”. “Não foi assim, doutor”, ele
respondeu, “o meu filho é que estava com a faca na mão”. Desisti de
convencê-lo.
Ouvido em
plenário, ele negou que houvesse desferido a facada, ou seja, manteve aquela
versão fantasiosa. O genro descreveu como os fatos ocorreram: a perseguição, a
facada. Falei, assim mesmo, do homicídio privilegiado.
De nada
adiantou: punindo-o mais, acredito, pela mentira apresentada, os jurados
condenaram-no por homicídio simples, e o juiz lhe impôs a pena mínima, 6 anos,
a ser cumprida inicialmente no regime semi-aberto, conforme cabível.
[1] . Artigo 121, parágrafo
1°, do Código Penal. Reconhecido o homicídio privilegiado, a pena do homicídio
simples (ou mesmo do qualificado, conforme o entendimento a que se filie) deve
ser diminuída entre um terço e um sexto.
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