Dona Vanderli foi acusada de haver cometido
um crime de homicídio simples, na forma tentada.
Por essa ocasião, o juiz titular da Vara do
Júri da comarca de Campinas, José Henrique Rodrigues Torres, numa atitude
inédita, no ato do recebimento da denúncia já nomeava a PAJ para atuar na
defesa do réu, devendo estar presente quando da realização do interrogatório
judicial[1],
sem prejuízo de que o réu contratasse um defensor particular. Participei de seu
interrogatório judicial, tendo, evidentemente, conversado com ela antes.
A história era muito boa para a defesa: uma
pessoa do bairro em que ela morava começou a cobrar “pedágio” das pessoas que
passavam pela rua e uma das vítimas dessa “cobrança” foi um filho de Vanderli:
o rapaz, porém, não tinha dinheiro e foi praticamente deixado de cueca, quase
nu. Ao chegar em casa, narrou o fato à mãe. Ela foi conversar com o “cobrador”,
pedindo a ele que não mais fizesse aquilo e, como resposta, foi destratada e
ameaçada: ele afiançou que faria novamente e contra ela também, se fosse o
caso.
Ela adquiriu uma arma de fogo e foi naquela
noite aguardar a chegada do filho no ponto de ônibus, para, praticamente,
escolta-lo. Foram ambos caminhando em direção à casa quando surgiu o
“cobrador”, dizendo que queria o dinheiro. Dona Vanderli disse ao filho que
atirasse a carteira em que estava o dinheiro ao chão, o que ele fez. Quando o
“cobrador” – e vítima – abaixou-se para apanhar a carteira, ela sacou a arma e
descarregou-a, acertando-o várias vezes (detalhe mórbido: um dos projéteis atingiu
o seu membro viril; outros, o seu rosto). Ele foi socorrido e não morreu.
Morreu meses depois, vítima de outros tiros disparados por outra pessoa (no
inquérito instaurado para apurar a sua morte, constou que ele fora
“executado”).
No interrogatório judicial de Dona Vanderli,
aconteceu um fato no mínimo curioso: ao ser indagada pela juíza onde adquirira
a arma, ela, apontando para o Largo do Rosário – bem defronte o fórum – disse:
“ali” (nessa época – e ainda hoje – funciona ali um autêntico “mercado de
objetos subtraídos” ou “receptódromo”- debaixo dos olhos vendados da deusa
Têmis).
Foi pronunciada por homicídio simples tentado
e, submetida a julgamento mais de 10 anos após o fato, o Ministério Público
pediu a sua absolvição, com base na legítima defesa própria, no que foi
secundado pela defesa. A contagem foi sete votos a zero: absolvida. Foi o
primeiro julgamento realizado no plenário da Cidade Judiciária de Campinas.
Detalhe que a ninguém interessou: a arma de
fogo que ela afirmou ter utilizado na prática do fato, um revólver calibre 38,
tinha capacidade de seis tiros; no entanto, a vítima tinha nove ferimentos de
entrada de projétil de arma de fogo.
Este julgamento foi o primeiro realizado no plenário
da Cidade Judiciária e Campinas.
[1] . Isto veio a se tornar
obrigatório, o réu ter defensor já no interrogatório, por força da Lei
10.792/03.
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