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O projeto do CP - Omissão de socorro a animal e a proporcionalidade

Uma das tarefas mais árduas para quem redige um projeto de lei penal, seja de uma simples lei, seja de um código, é respeitar o princípio da proporcionalidade das penas. Este princípio tem muito mais visibilidade (ou aplicação) no âmbito do Direito Administrativo, em que é também chamado de "proibição do excesso". O STF o tem invocado em diversas de suas manifestações, a grande maioria no Direito Administrativo, umas poucas no âmbito do Direito Penal. Como exemplo desta, há uma manifestação, concedendo uma ordem de "habeas corpus" e aplicando tal princípio num caso de receptação qualificada, em que a pena é sensivelmente maior do que a cominada à receptação dolosa: nesta modalidade, o dolo é direto ("que sabe ser produto de crime"), enquanto que naquela o elemento subjetivo do tipo é expresso com a formulação "deve saber". Segundo este princípio, hoje consagrado em Direito Penal, a pena, quando se constrói o tipo legal, deve guardar uma proporção com o bem jurídico violado. Já se apontou em trabalho doutrinário a inconstitucionalidade de lei penal quando foi desatendido este princípio. Foi nesse sentido que se manifestou Cezar Roberto Bitencourt com respeito à lei que incriminou o "sequestro relâmpago".
Pois bem. Na redação do projeto de Código Penal, a comissão em algumas passagens desrespeitou o princípio da proporcionalidade. Não se pode esquecer que é apenas um projeto, e, assim, pode sofrer modificações em sua tramitação legislativa, mas isto não serve como justificativa.
Segue o exemplo: o crime de omissão de socorro, que hoje está descrito no artigo 135, será o artigo 132, com a mesma redação. A pena cominada, hoje, é de 1 a 6 meses de detenção, ou multa, aumentada de metade, "se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte". No projeto, as penas continuarão as mesmas.
Porém, surge uma nova figura penal, descrita no artigo 394, cuja redação é a seguinte:
"deixar de prestar assistência ou socorro, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública". Com o texto, creio, todos estamos de acordo, pois os animais merecem a nossa compaixão, embora, a meu juízo, não seja necessário lançar mão do Direito Penal para essa proteção: este ramo do Direito deve ser reservado para a proteção dos bens jurídicos mais importantes.. Porém, a pena cominada àquele que omite o socorro ao animal é um absurdo: prisão de 1 a 4 anos.
Isso equivale a dizer: omitir o socorro a uma pessoa (humana) sujeita o omitente a uma pena de prisão de 1 a 6 meses ou multa; omitir o socorro a um animal sujeita o omitente a uma pena de 1 a 4 anos de prisão. Onde está a proporcionalidade?


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