Pular para o conteúdo principal

O projeto do CP - crime de pessoa jurídica

Um dos temas mais discutidos no Direito Penal brasileiro é o referente à possibilidade da pessoa jurídica cometer crime. Durante longos anos, juristas de renome (antigo: de escol) negaram peremptoriamente essa possibilidade e a fundamentação era uma só: apenas as pessoas humanas podiam agir. A ação, afirma Reale (pai), é atributo do ser humano; os outros seres não agem: movem-se tocados por seus instintos. Ele trabalha com o exemplo do joão-de-barro, que constrói a sua casa sem que ninguém lhe tenha ensinado. Há outro, talvez melhor (com o perdão da pretensão): o leão abate a zebra não porque não aprecie o listrado, mas sim porque precisa alimentar-se.
O tema "pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime remete a outro?": a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crime contra a honra? Quase maciçamente a doutrina brasileira responde não qanto à calúnia e à injúria, admitindo, e não de forma unânime, somente quanto à difamação. Quanto à calúnia, por motivos óbvios: se ela não pode cometer crime, não pode ser acusada (falsamente) de ter cometido um.
De qualquer forma, legislações de outros países têm admitido a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a "lei maior" brasileira, que é de 1988, permitiu a criminalização no caso de agressão ao meio ambiente.
O projeto procurou solucionar o problema no artigo 41, cujo "nomen juris" em negrito e acima do texto diz "responsabilidade penal da pessoa jurídica", e o teor é o seguinte:
"as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas  penalmente pelo atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou em benefício da sua entidade.
§ 1º A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependentenda responsabilização destas.
§ 2º A dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a responsabilidade da pessoa física.
§ 3º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes referidos neste artigo, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la".
Quanto às penas previstas aos crimes, falarei oportunamente.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...