Não lembro por qual
crime ele tinha sido condenado; tenho certeza, porém, de que não foi contra a
vida (doloso) porque o processo tramitava na 4ª Vara Criminal da comarca de Campinas:
eventualmente, eu ali atuava. E, também, tenho certeza de que a pena imposta
não fora alta, pois havia sido concedida a suspensão condicional da execução da
pena (“sursis”)[1].
Designada data de audiência de advertência (também chamada de admonitória), o
condenado não compareceu. O escrevente “de sala” (era assim chamado porque
trabalhava na sala de audiências, pelo menos por um período, o da tarde,
datilografando os depoimentos, declarações e interrogatórios) certificou que a
audiência não havia se realizado em face do não comparecimento do condenado.
Determinou, então, o magistrado que fossem os autos remetidos ao Ministério
Público para manifestação (“vista ao MP”). O Promotor de Justiça, afoitamente,
leu certidão do escrevente de sala e, de forma irada e intempestiva, requereu
“a revogação do ‘sursis’”, bem como a “imediata
expedição de mandado de prisão”. Cumprindo religiosamente os princípios do
contraditório e da ampla defesa, determinou então o magistrado que a defesa se
manifestasse. Retirei os autos. Li a certidão do escrevente de sala e, óbvio,
procurei nos autos o mandado de intimação para constatar se o Oficial de
Justiça encarregado da diligência havia intimado o condenado. O auxiliar da
justiça não o havia intimado e não o fizera porque, conforme
certificou, “esteve no local indicado no mandado e deixara fazer a intimação
porque, segundo informação da irmã do condenado, este havia falecido”. Não
perdi a oportunidade de fazer uma gozação. Disse, em primeiro lugar, que
discordava do pedido do Ministério Público porque não era caso de revogação e
sim de cassação[2];
discordava, disse eu, também porque com a morte extingue-se a punibilidade[3],
e, ademais, como se faria para prender um morto – já deveria o corpo estar em
decomposição. O processo foi devolvido por um estagiário.
Na semana seguinte
estive em cartório e os funcionários receberam-me com gargalhadas: o Promotor
de Justiça ficara indignado com a minha “gozação”. Mas deve ter aprendido uma
lição básica: ler não apenas a folha anterior à determinação de “vista” e sim
algumas mais anteriores. Ah! O magistrado determinou a expedição de outro
mandado a fim de que o Oficial de Justiça diligenciasse na casa da irmã do
condenado em busca de cópia da certidão de óbito.
Ele havia realmente
morrido.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume II, a ser publicado.)
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