Pular para o conteúdo principal

Leis temporárias

Um dos temais nas controvertidos no estudo do Direito Penal, especificamente na aplicação da lei penal, é o referente às leis excepcionais e temporárias. Fugindo ao bom senso (quando ouço alguém, referindo-se ao Direito Penal, dizer que "direito é bom senso", tenho vontade de sair correndo: Direito Penal não é bom senso, Direito Penal decorre exclusivamente daquilo que está escrito na lei: "a fonte única de Direito Penal é a lei", ou, como dizia o ministro Nélson Hungria, "não há Direito Penal vagando fora da lei" [é certo que tal assertiva, modernamente, deve ser entendida em termos: não pode haver a criação de tipos penais incriminadores senão por intermédio da lei, entendida esta em sentido estrito -  não vale medida provisória]), ou melhor, àquilo que o bom senso aconselharia, o Código deu um tratamento muito diferente às leis temporárias e excepcionais, muito diferente do dado às demais leis penais.
É que as leis temporárias ou excepcionais, finalizado o seu tempo ou as condições (excepcionais) que a motivaram, se autorrevogam. Conjugando-se os demais dispositivos legais de aplicação da lei penal, depois de terminada a vigência da lei temporária ocorreria a extinção da punibilidade, já que o fato deixa de ser considerado crime. Para impedir que tal ocorra, o artigo 3º do Código Penal assim estabelece:
"a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência".
Tal regra, como se vê, foge ao bom senso, porque, não mais tendo vigência a lei, estaria extinta a punibilidade do fato. E o projeto de Código Penal que ora tramita no Senado Federal mantém a mesma redação do atual e a mesma numeração.
Outra dificuldade no estudo do tema diz respeito aos exemplos. Para bem ilustrar a aula, deve o professor apresentar um exemplo e de preferência real, o que facilitará a fixação do conhecimento na memória do aluno. Por vezes, a inexistência de exemplos concretos obriga o doutrinador a formular exemplos fictícios e Claus Roxin chama isso de "exemplo de manual": ocorrências que existem apenas na mente de quem os formula (alguns autores brasileiros são mestres nessa "criação").
Quanto às leis temporárias, a escassez de exemplo concreto encerrou-se: a lei (nº 12.663/12) que regula a realização da Copa do Mundo no Brasil, da Copa das Confederações e outros eventos (chamada de "lei geral da copa"), contém, nas disposições penais, que se desdobra nos artigos 30 a 36, um bom exemplo de lei temporária. O artigo 36 estabelece que "os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014". Porém, os fatos praticados durante a sua vigência continuarão a ser punidos após essa data, por força do artigo 3º do Código Penal, que é a lei geral.
Um dos crimes: marketing de emboscada ou por associação. Falarei sobre isso oportunamente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...