Tinha
tudo para ser um julgamento sem qualquer complicação: a acusação era de
homicídio simples tentado e a vítima tinha antecedentes. Tratava-se de uma
briga nas imediações da Estação Rodoviária de Campinas e o réu havia desferido
uma facada na vítima, que sobrevivera; a classificação como homicídio tentado:
a vítima não morrera por “circunstâncias alheias à sua vontade”. O réu também tinha antecedentes e em grande
número. A sua folha era vasta, com diversos registros de incursões pela parte
especial do Código Penal. Em geral, crimes contra o patrimônio. Como sói
acontecer: raramente existe reincidência nos crimes contra a vida. O homicídio
– dentre os quatro contra a vida (os outros são participação em suicídio,
infanticídio e aborto) – representa infalivelmente um ponto isolado na vida do
acusado. A não ser em casos que a mídia tem o hábito de chamar de “serial
killer”, em que parece que o homicida tem prazer por matar – ou se trata de um
doente mental. Na literatura jurídico-penal existem alguns casos esparsos,
como, por exemplo, o “maníaco do parque”, que agia em São Paulo; em Campinas,
na década de sessenta, atuou um que a mídia impressa e falada cognominou de
“bandido mascarado”. Quem era este personagem os órgãos do sistema punitivo
nunca conseguiram descobrir (se bem que, à época, afirmava-se que era filho de
um político influente da cidade).
No
dia do julgamento em plenário, os trabalhos fluíram satisfatoriamente, sem
nenhum incidente: O Ministério Público, por seu Promotor de Justiça, falou
durante o seu tempo regulamentar, duas horas aproximadamente, a defesa,
representada por um Procurador do Estado da assistência judiciária, no caso eu,
falou outro tanto; intervalo para um rápido lanche (nessa época, o julgamento se
iniciava por volta de uma e meia da tarde); réplica, com o Ministério Público
falando por quase mais trinta minutos, e a defesa utilizando menos do que isso.
A minha tese era simples: negativa de autoria. Não fora o réu o autor da facada
(a vítima não fora encontrada para declarar em juízo).
Encerrados
os trabalhos em plenário, fomos todos à sala secreta, para a votação e o
acusado acabou sendo condenado por maioria de votos, quatro a três. Anunciado o
resultado e cessada a incomunicabilidade, uma jurada, que já tinha chamado a
minha atenção por ser bonita e estar muito bem trajada, por volta de 30 anos de idade
(o único dado único dado pessoal sobre ela disponível – como, de resto, de
todos os jurados – era que se tratava de bancária) veio em minha direção – eu
estava num dos cantos da “sala secreta” – e me disse: “eu não me convenci de
que foi ele o autor, mas o condenei em virtude dos maus antecedentes”.
O susto foi muito grande, mas não pude fazer nada: afinal, era uma declaração em “off”, sem
que ninguém presenciasse.
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