Pular para o conteúdo principal

O leilão do hímen e a sedução da lésbica

 Dias atrás, "explodiram" na mídia duas manchetes no mínimo bizarras: uma jovem catarinense leiloaria a sua virgindade, aplicando o "lucro" na compra de casas populares (seria arrecadado tanto assim?, foi a primeira indagação que me assaltou); a segunda manchete anunciava que um milionário chinês oferecia uma vultosa quantia (precisamente 132 milhões de reais - lógico que não em reais, porque ninguém aceitaria...)  para o homem que conseguisse seduzir a sua filha lésbica, convencendo-a a casar.
A membrana himenal - em homenagem a Himeneu, filho de Apolo e Afrodite, deus do casamento (lembro que, quando estudava o nome, em Direito Civil, nos idos de 1973, no livro adotado, de Washington de Barros Monteiro, na lista de nomes estrambóticos havia este: Himeneu Casamentício das Dores Conjugais...) - era a prova da virgindade, necessária à validade do casamento e caracterizadora do crime de sedução, artigo 217 do Código Penal, que tinha uma dicção romântica: "seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança", com a pena de reclusão de 2 a 4 anos. O condenado à pena mínima, em algumas décadas de vigência do código,  não tinha direito a nenhum "benefício", pois o mais próximo, o livramento condicional, somente era concedido a penas acima de 3 anos. Tratando-se de crime material, era imprescindível a prova do desvirginamento. "Virgo intacta" era uma expressão corrente nos compêndios de Direito Penal. Nélson Hungria citava um provérbio alemão para demonstrar a importância dessa membrana: "antes uma pele de ouriço na cama do que uma noiva deflorada".
A virgindade tinha muita importância no Direito Civil. O provérbio alemão referido pelo penalista tinha mais aplicação no ramo civil do Direito. O desvirginamento da noiva, desconhecido pelo noivo (e não causado por ele, claro...), era um dos motivos para a anulação do casamento.
De outra parte, a homossexualidade era punida como crime: o Livro V das Ordenações do Reino, o que definia os crimes e cominava as penas, reservava a pena de morte na fogueira para a homossexualidade, chamada na época de "sodomia",  nome de origem bíblica (em homenagem a Sodoma), para que o corpo se tornasse cinza e fosse levado pelo vento para que de sua existência não restasse lembrança.
Os tempos mudaram ("oh! mores! oh! tempores", segundo Marco Tulio Cicero): a sedução deixou de ser crime (o que ocorreu no ano de 2005), a virgindade deixou de ter importância na sociedade, não mais sendo motivo para a anulação do casamento e o homossexualismo também deixou de ser criminalizado (em muitos países).
Soa bizarro, portanto, que uma vestal leiloe a sua membrana himenal e que um milionário queira mudar a orientação sexual de sua filha. Tenho uma sugestão, que não satisfará ambas as partes: ele poderia doar parte do dinheiro à "virgo intacta" catarinense, que não precisaria se desfazer da "preciosa" (para ela, ao menos) membrana e a sua filha continuaria a orientar-se como pretenda.
A propósito: o termo "lésbica" vem da palavra Lesbos, uma ilha grega onde nasceu Safo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...