No
texto anterior, de forma muito superficial abordei o assunto “concurso de
crimes” e agora vou desenvolvê-lo para um melhor entendimento do que escrevi.
O
concurso – do verbo concorrer – existe sob duas formas: de pessoas e de crimes.
O primeiro está disciplinado no artigo 29 do Código Penal: “quem de qualquer
forma concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de
sua culpabilidade”. É neste campo de estudo que está a teoria do domínio do
fato, tão brilhantemente desenvolvida por Claus Roxin e que foi utilizada para
condenar alguns do “núcleo politico” do “mensalão”(Ação Penal 470).
O
outro tipo de concurso é o de crimes e existe sob três formas: material (ou
real), formal (ou ideal) e crime continuado; eles estão disciplinado nos
artigos 69, 70 e 71 do Código Penal. O mais comum é o material (artigo 69 do
CP) e por ele todas as penas aplicadas aos crimes que uma pessoa praticou são
somadas. Exemplo: uma pessoa comete um crime de roubo simples (artigo 157, “caput”,
pena de 4 a 10 anos de reclusão), um de homicídio simples (artigo 121, “caput”,
pena de 6 a 20 anos de reclusão) e um de estupro (artigo 213, pena de 6 a 10
anos de reclusão). Ao condena-la, o juiz deverá individualizar a pena de cada
crime e, ao final, soma-las. Se ele impuser a pena mínima cominada a cada
delito ter-se-á uma pena final de 16 anos (4 pelo roubo, 6 pelo homicídio e 6
pelo estupro). Detalhe: várias ações, vários crimes – e diferentes.
A
segunda modalidade de concurso é o formal (artigo 70, “caput” do CP) e de sua
leitura decorre que a pessoa, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, da mesma espécie ou não. O exemplo clássico é o do motorista que
dirigindo em alta velocidade um veículo de transporte coletivo provoca um
acidente, matando uma pessoa e ferindo três. Cometeu um homicídio culposo e
três lesões corporais culposas (artigos 302 e 303 do Código de Trânsito). O
juiz, ao condená-lo, escolherá dentre as penas aplicadas a mais grave (no caso,
do homicídio) e a aumentará entre 1/6 até a metade. Detalhe: a ação não poderá
ser dolosa e os resultados frutos de desígnios autônomos: neste caso, a lei
penal manda que se aplique a regra do concurso material.
O
último, crime continuado, é entre eles o que tem uma história: ele surgiu,
segundo aponta a doutrina, para minimizar a aplicação a punição, pois ao
terceiro furto, não importando o valor da coisa subtraída, era imposta a pena
de morte. Os aplicadores da lei penal começaram a afirmar que o terceiro furto
não era outro crime, mas sim continuação dos demais e com isso evitavam a
aplicação da pena de morte.
Existem
alguns requisitos para que seja reconhecido e eles estão no artigo 71 do Código
Penal: várias ações (ou omissões), vários resultados, crimes da mesma espécie,
próximos no tempo e no espaço e outras circunstâncias (que a lei não
especifica). Próximos no tempo: pela construção jurisprudencial, até 30 dias
entre um crime e outro; próximos no espaço: na mesma cidade, na mesma região
administrativa, em cidades próximas. Discutia-se antes da reforma penal de l984
se os delitos que atingiam bens personalíssimos (como a vida, por exemplo)
podiam ter reconhecida a continuidade delitiva. Não se admitia. Depois da
reforma, a doutrina maciçamente começou a entender que se podia ser reconhecido
o crime continuado. Exemplo: três furtos simples (artigo 155, “caput”, com pena
de reclusão, de 1 a 4 anos) – a cada fato o juiz aplica 1 ano de reclusão e, reconhecendo
o crime continuado, apanhará uma das penas – qualquer uma, pois são iguais – e a
aumentará entre 1/6 a 2/3. Neste exemplo, 1/5.
Há
um senão: se foram crimes praticados mediante o emprego de violência ou grave
ameaça, o juiz pode triplicar a pena (desde, é óbvio, que tenham sido
praticados mais de três crimes). Exemplo: o sujeito ativo praticou 4 estupros e
o juiz o condena por cada um a 6 anos de reclusão: a pena poderá ser
triplicada, atingindo 18 anos.
Em
grau de recurso, é possível que o Tribunal de Justiça reconheça os requisitos
do crime continuado na ação dos policiais militares e faça um “ajuste” da pena,
nada impedindo que em vez de simplesmente aumenta-la entre 1/6 e 2/3, a
triplique.
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