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Metralhando do interior do Gol

 
            Eram dois irmãos e na irmandade praticavam crimes juntos. Estiveram durante um tempo presos. Num dos processos contra eles, a acusação era de homicídio qualificado tentado contra um Escrivão de Polícia que morava em Campinas, porém exercia as funções de seu cargo em outra cidade. Como eram dois réus, a PAJ assumiu, por mim, a defesa de um, nomeando, para o outro, um advogado do Convênio PGE/OAB-SP. Coincidentemente, a nomeação recaiu sobre a advogada Maria Helena Campos de Carvalho, quem eu conhecia de longa data – ela havia sido minha aluna e era minha colega no magistério universitário.
            Ao ler os autos, pareceu-me inverossímil a descrição feita sobre o fato pela vítima: os dois réus, segundo ela, passaram defronte a sua casa dentro de um veículo Volkswagen Gol, um deles, o que estava no banco traseiro do carro, pôs o corpo para fora e metralhou a casa da vítima. Impossível: o automotor utilizado no crime era daquele modelo em que a janelas da parte traseira não permitiam que os vidros fossem abertos.
            No julgamento, foi ouvida a vítima e ela manteve a versão inicialmente apresentada, a dos irmãos metralhando a sua casa a partir do interior de um Volkswagen Gol. Dada a palavra ao Ministério Público, ele pugnou pela absolvição dos réus – não acreditou no que foi dito. Pela defesa, em primeiro lugar manifestou-se a Dra. Maria Helena que, depois da saudação de praxe, anunciou publicamente que aquele seria o meu último júri pois naquela data – 26 de agosto de 2003 – eu cumpria tempo para aposentar-me. Era verdade: cumpria 35 anos e 6 meses de serviço público (os 6 meses eram referentes a um acréscimo trazido pela reforma da Previdência de 1998). Porém, não pensava em me aposentar. Obviamente, ela, secundando o pedido do Promotor de Justiça, requereu a absolvição, mesma atitude por mim tomada. Na minha fala, agradeci a lembrança, porém não disse nada acerca da minha aposentadoria: é que eu não pensara ainda sobre o tema. E, obviamente, também requeri a absolvição.
            Os réus foram absolvidos. E eu passei os seis meses seguintes tendo que responder “não” à pergunta: “é verdade que você vai se aposentar?”.
            Aposentei-me, sim, mas dali quase 5 anos, em fevereiro de 2008.



(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume 2, a ser publicado.)

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