Depois
de duas décadas, finalmente – para alguns -, realizou-se o primeiro dos julgamentos
dos policiais militares que participaram da invasão na Casa de Detenção,
resultando na condenação deles a penas altíssimas: 156 anos de reclusão, regime
inicial fechado.
O
surpreendente nesse julgamento foi os sete jurados, representando a sociedade
de que fazem parte, não terem concordado com as mortes, embora estas se tenham
dado no interior de um presídio e, assim, as vítimas serem todas “bandidos”, conforme a voz corrente. Os
“juízes de fato” não se deixaram levar pela mídia torta que ignora o princípio
da presunção de inocência, acolhido na Constituição, para quem uma simples
suspeita torna a pessoa “bandido”, quando não chamada por outros nomes mais
ofensivos.
Já
abordei algumas vezes aqui o tema “cumprimento da pena”: conforme determina o
artigo 75 do Código Penal, ninguém poderá ficar privado da liberdade por mais
de 30 anos; caso a pessoa seja condenada a uma pena maior, será feita uma
unificação a fim de que ela cumpra os 30. Tudo muito claro. A clareza começa a
esvair-se quando a pena (ou penas, em caso de concurso de crimes) supera o
limite legal e o condenado tem direito a benefícios legais. Por exemplo,
progressão de regime. Como dito antes, os policiais militares foram condenados
a 156 anos no regime inicial fechado e essa pena será unificada para 30. Depois
de cumprirem 1/6 da pena poderão progredir ao semi-aberto. Sobre qual total
incidirá a porcentagem? Para Mirabete, deveria incidir sobre a pena unificada,
no caso, 30 anos. Para Damásio, deveria incidir sobre a pena total, 156 anos.
Para Mirabete, poderiam progredir depois de cumprirem 5 anos; para Damásio,
depois de 26 anos.
O
Supremo Tribunal Federal em alguns julgamentos manifestou-se pela solução
proposta por Damásio, o que torna, na prática, em alguns casos, impossível a
obtenção de qualquer benefício legal. Suponhamos o caso do comandante da
operação, coronel Ubiratan: ele foi condenado a 632 anos (depois absolvido):
para Mirabete, cumpriria 5 anos; para Damásio, mais de 105 anos.
Foram
13 mortes e a cada morte a pena prevista é de 12 a 30 anos de reclusão. Treze
mortes significa um concurso de crimes e este existe sob três formas:
material, formal e crime continuado. Pelo primeiro, somam-se as penas de todos
os crimes e foi isto o que aconteceu no julgamento. Pelo concurso formal,
apanha-se qualquer das penas impostas, se iguais, ou a mais grave, se diversas,
e faz-se um aumento que varia de 1/6 até ½; pelo crime continuado, e um dos
requisitos desta espécie de concurso é que os crimes sejam idênticos, apanha-se
qualquer pena, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, e faz-se incidir um
aumento que varia entre 1/6 a 2/3.
O
crime continuado poderia ter sido reconhecido (depois da reforma penal de 1984,
essa modalidade de concurso pode ser aplicada em qualquer delito, mesmo os
contra a vida) e isso importaria na escolha de qualquer das penas (o juiz
aplicou-a no mínimo legal, 12 anos) e fazer incidir o aumento máximo (em razão
da quantidade de mortes), 2/3, 8 anos, dando uma pena final de 20 anos.
O
crime continuado pode ser reconhecido em grau de recurso e não será assustador
se o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação, faça esse (por
assim dizer) “ajuste” da pena. Cito como exemplo um caso em que trabalhei e que
está no meu livro “Casos de júri e outros casos”, sob o título “Ricardão”.
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