Há meses, mais precisamente no dia 29 de outubro do ano
passado, postei aqui neste espaço um escrito chamado “espécies criminais em
extinção” (copio o “link” abaixo), em que, de forma claramente saudosista
(admito – talvez seja um dos efeitos da idade...), expunha várias espécies
delituosas que estão praticamente sendo extintas. Todas praticadas sem
violência a pessoa. Por exemplo, no estelionato, as suas várias formas de
realização estão desaparecendo: “conto do bilhete premiado” (apesar do
“cassino” oficial em que o Brasil se converteu com o advento das várias formas
de loterias, todas feitas por meio eletrônico, esta modalidade ainda sobrevive,
se bem que, creio, com vida artificial, entubada); o “conto da guitarra”: deste
há décadas não ouço sequer falar – virou pó ou então está num museu; “conto do
vigário”: em sua modalidade original, desapareceu (se bem que existem pastores
que estão substituindo os vigários com
vantagem – e com tanta vantagem que já estão no ranking das maiores fortunas do
Brasil).
Embora o curandeirismo ainda seja considerado crime,
porém classificado entre os “crimes contra a segurança dos meios de comunicação
e transporte e outros serviços públicos”, é uma forma de enganar o próximo,
pondo, por vezes, a sua vida em risco, especialmente quando aplica
“habitualmente” qualquer sustância, obtendo, todavia um lucro, claro, porque
ninguém se dá a tal trabalho por filantropia – os que se dão ao trabalho com
esta motivação também estão em extinção, tal qual ocorre com o crime.
Outro delito, classificado da mesma forma que o abordado
no parágrafo anterior, e também em extinção, é o charlatanismo, em que o
sujeito ativo, para usar a letra da lei, “inculca ou anuncia cura por meio
secreto e infalível” (inculcar = fazer gravar ou assimilar [algo] na
consciência de alguém). Este, bem como o anterior, dependem muito da
credibilidade da vítima.
Quando foi redigido o projeto do Código Penal de 1940, o
presidente da comissão, ministro Nelson Hungria, saudava criminalidade
patrimonial não violenta, dando como antônimo desta os gângsteres (ele os chamada
de “mad dogs”) que àquela época e especialmente em datas anteriores pululavam
nos EUA. No Brasil ocorria aquele movimento conhecido por cangaceirismo, cujo
maior expoente foi Virgulino Ferreira da Silva, vulgo “Lampião”. Tópico, porém:
no nordeste.
O contentamento do ministro não foi muito extenso, posto
que, em algumas décadas o panorama alterou-se drasticamente e aquela
criminalidade violenta, principalmente no campo patrimonial, assomou com força
total. Os restos mortais do ministro, as suas cinzas, devem estar parecendo um
tornado em seu jazigo. A arma de fogo substituiu a astúcia por alguns anos e
nos tempos presentes ela foi substituída por artefatos mais mortais.
No furto praticados em bancos surgiu o maçarico para
perfurar o caixa-eletrônico que em poucos anos cedeu lugar ao explosivo; o
“arrombamento” de lojas feito com pé-de-cabra cedeu lugar à entrada com veículo
em marcha ré (“gangue da marcha ré”). A simples encenação de atear fogo em
alguém foi substituída pela realidade de atear fogo mesmo. Os “extermínios” ou
“chacinas” se transformaram em acontecimentos diários. Esses crimes são
cometidos em locais em que muitas vezes há câmera de segurança e os sujeitos
ativos as tratam com desdém.
O que chama a atenção nessa mutação não é a ousadia dos
que cometem tais delitos mas sim a inoperância das autoridades em resolvê-las
num número que se torne um desestímulo aos que os estão cometendo ou pretendem
cometê-los. Certamente, em virtude da profusão com que acontecem algumas vozes,
como sempre ocorre, advogarão de forma ignorante a alteração da lei penal,
alcunhando-a de branda, pedindo penas mais graves; mas como, se nem as
previstas estão sendo aplicadas? Este é
o dado essencial que qualquer trabalho estatístico demonstrará: a percentagem
de crimes descobertos é tão desanimadora que serve como estímulo àqueles que
pretendem violar a lei.
http://silvioartur.blogspot.com.br/2012/10/especies-criminais-em-extincao.html
(Link do artigo anterior referido.)
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