O
desacato (ainda) é um crime contra a Administração Pública, classificado no
Capítulo II do Título XI do Código Penal; está entre os crimes praticados por
particular contra a Administração Pública. Ou seja: cometido por alguém que não
é funcionário público contra alguém que é funcionário público. É discutida a
possibilidade de um funcionário público praticar o delito contra outro
funcionário, do superior hierárquico praticá-lo contra o subalterno e
vice-versa, mas estas questões serão abordadas em outro momento.
O
crime está definido no artigo 331 do Código Penal e tem a seguinte dicção:
“desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, com a
pena de detenção, de 6 meses a 2 anos. É infração penal de menor potencial
ofensivo, alcançada pela Lei 9.099/95. Para que seja configurado o delito é
necessário, portanto, que o funcionário público – que é a face da Administração
Pública – seja ofendido durante o exercício da sua função ou em razão dela.
Heleno
Cláudio Fragoso, advogado e professor universitário, autor de importantíssimas
obras, dentre as quais “Lições de Direito Penal”, em outro livro (“Decisões
criminais comentadas”) analisa um processo que tramitou no Supremo Tribunal
Federal versando sobre este delito. Durante uma audiência criminal na comarca
de São Paulo, cansado de ter as suas reperguntas indeferidas pelo magistrado, o
advogado riu; Sua Excelência (talvez quisesse ser chamado de Vossa Alteza ou
ainda de Vossa Santidade...) entendeu que estava sendo desacatado e “deu voz de
prisão” ao causídico (detesto este termo...). Ele foi condenado, o processo
percorreu todas as instâncias possíveis e a mais alta corte manteve a
condenação. Heleno Fragoso discorre maravilhosamente sobre o tema, invocando
até as lições de Pavlov (“Reflexos condicionados e inibições”), concluindo que
o riso, no caso, foi normal naquela situação, que poderia comportar até o choro
(“rir para não chorar”). Eu completo: até vomitar.
Em
recente caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma ordem de “habeas
corpus” foi concedida para “trancar” um processo crime em que era réu um
advogado, acusado de desacato contra o Promotor de Justiça. Consta do acórdão
que a atitude do “causídico”, que o tribunal classificou de “deselegante”,
consistiu em aplaudir o Promotor de Justiça (Sua Alteza...) quando este
requereu ao juiz presidente do Tribunal do Júri que formulasse quesitos sobre o
crime de falso testemunho que teria ocorrido durante o julgamento. O aplauso - incabível na situação - foi visto inicialmente como ofensa à Administração Pública. E o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu uma ordem de "habeas corpus" à advogada de Lindemberg Alves, Ana Lúcia Assad, que estava sendo processada pelo mesmo delito porque durante o julgamento em plenário disse à juíza que ela precisava "voltar a estudar".
Acontecimentos distantes no tempo várias décadas, com soluções judiciais
diversas. É feio ser deselegante ou
mesmo grosseiro, é falta de educação, urbanidade, civilidades, etc, mas daí a configurar crime vai uma distância enorme. Afinal, o
Direito Penal deve ser utilizado como “ultima ratio” - em vernáculo, "última razão".
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