Uma colega de trabalho,
Procuradora do Estado como eu, indagou-me se eu poderia defender uma pessoa
cuja família ela conhecia; a defesa não seria feita como Procurador (atuávamos
como defensores públicos, pois a Defensoria ainda não fora criada) e sim
particularmente e, portanto, “pro-bono” – sem cobrar honorários. A família da pessoa tinha condições de
suportar uma cobrança de honorários advocatícios, porém certamente se recusaria
a tal ônus principalmente porque a pessoa estava sendo acusada de furto simples
tentado. Mais tarde descobri porque a família se recusaria a fazer tal gasto.
A acusaç ão que
pesava contra ela era de furto, uma subtração realizada num supermercado
pequeno, desses de bairro, e o objeto subtraído era uma perna de cabrito. Tão
logo deixou o estabelecimento comercial e alcançou a calçada, teve os passos
interceptados pelos seguranças. Chamada a Polícia Militar, foi levada ao 4º
Distrito Policial, porém a autoridade não lavrau o auto de prisão em flagrante
delito, preferindo registrar o fato num boletim de ocorrência.
Aceitei o encargo
“pro-bono”. Convidei a ré a ir ao meu escritório para falarmos sobre o assunto.
Ela foi. Disse-me que estava arrependida, mas que fazia aquilo por compulsão:
era cleptomaníaca. Isso me interessou: jamais havia defendido alguém que
declaradamente padecesse desse mal. Pedi-lhe que me descrevesse os sintomas que
sentia ao realizar uma subração. Ela disse que, à vista do objeto de cobiça,
começava a sentir um calor no corpo, e, acrescentou, era “contra a vontade”
levada à subtração. Disse mais, que outras vezes tal tinha ocorrido, porém o
dono do supermercado depois ia à sua casa e apresentava a conta do furto e a
família o reembolsava. Desta vez, porém, a família, talvez cansada de tudo, ao ser
avisada, resolveu não ressarcir o comerciante. Daí a intervenção policial.
O desfecho do processo
foi óbvio: ela foi condenada por furto simples tentado, e, como era primária e
de pouco valor a coisa subtraída, o magistrado, reconhecendo o furto privilegiado,
impôs somente a pena de multa, no piso mínimo, 10 dias-multa no valor de 1/30
do salário mínimo cada.
Não fiquei sabendo se a
família concordou em recolher o valor.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume 2, a ser editado.)
Comentários
Postar um comentário