As
leis de Portugal eram chamadas de “ordenações ” e levavam o nome do imperador e uma delas, as Filipinas,
tiveram aplicação durante muito tempo no Brasil: de 1603 até, no que se refere
ao aspecto penal,1830, ano do Código Criminal do Império.
Retratando
fielmente a época em que foram redigidas, elas tinham uma linguagem (para nós,
hoje) confusa; a técnica legislativa era bem diferente da dos tempos atuais.
Faziam diferença entre homens e mulheres e entre as pessoas entre si e cada,
por assim dizer, artigo procurava descrever caso por caso, o que levou a
classifica-las de “casuístas” ou “casuísticas”. Por exemplo: o Título XLIII do
Livro V (era o que definia os crimes e cominava as penas) das Ordenações
Filipinas tinha a denominação de “dos que fazem desafio” e a descrição era
esta: “defendemos que pessoa alguma, de qualquer condição que seja, assi nosso
natural, como estrangeiro, postoque que seja Official de armas, não seja tão
ousado, que em nossos Reinos e Senhjoris em seu nome, ou de outrem repte e
desafie outro, ou o requeira para se com elle matar, ou com a pessoa, em cujo
nome o desafia, ou que lhe fará conhecer, alguma cousa mão por mão, ou com
muitos, ou com poucos, sob pena de por esse mesmo feito perder todos os seus
bens para a Corôa do Reino, e mais
perder quanto a nós tiver, e ser riscado de nossos livros, se nosso morador
fôr, e ser degradado para Africa até nossa mercê, e mais em nenhum tempo nos
servirmos delle em cousa alguma. Porém, se as palavras forem ditas em rixa nova,
e depois não se seguir mais algum acto de desafio, não haverão as penas deste
Título”.
Esta
é uma parte do artigo que criminalizava o desafio (ou duelo), metade, quando
muito. Com o passar do tempo foram sendo cunhados e consolidados princípios e a
legislação, além de se amoldar a eles no momento de sua elaboração, foi
aperfeiçoada na forma de descrever. O princípio da isonomia, ou da igualdade de
todos perante a lei, por exemplo, foi um dos que passaram a ser respeitados na
formulação da lei. Antigamente, não era respeitado e como exemplo pode ser
citado o Título XXV, cujo nome era “do que dorme com mulher casada”: “mandamos
que o homem, que dormir com mulher casada, e que em fama de casada stiver,
morra por ello. Porém, se o adultero fôr de maior condição que o marido
della...”. Claro exemplo de desconsideração à isonomia.
Até
aproximadamente o final da década de 90 a legislação penal brasileira
manteve-se fiel ao princípio da isonomia, mas lentamente vem se afastando dele.
As razões para isso quem faz as leis poderá explicar (e explicação é o que não
falta...). Aos exemplos: as circunstâncias agravantes (artigo 61),
consideradas na segunda fase da aplicação, passaram a conter a expressão “maior
de 60 (sessenta) anos”, instituída pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). A
lesão corporal passou a conter, por conta da Lei 10.886/04, com mais um
parágrafo, o 9º, com pena diversa, assim descrito: “se a lesão for praticada
contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, com quem conviva
ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas,
de coabitação ou de hospitalidade”.
Na
Parte Especial, também houve incontáveis modificações formuladas a partir da
necessidade de proteção ao bem jurídico. Por exemplo, a apropriação indébita
previdenciária, que introduziu o artigo 168-A. E muitas outras modificações – a
título de exemplo, os crimes contra as finanças públicas (artigo 359-A e
seguintes).
Essas
sucessivas modificações têm aproximado o Código Penal das ordenações em razão
do casuísmo e isso indica, ademais, que é necessário que novo código seja
redigido, pois as alterações criaram uma "colcha de retalhos", com artigos numerados também do letras, como já visto (168-A; 216-A; 359-A, B etc). Essa providência já foi tomada e o projeto tramita no Senado Federal.
Quando será aprovado? Talvez os búzios saibam.
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