Pular para o conteúdo principal

A violência sexual e a assistência à vítima


            Foi sancionada no dia 1° de agosto de 2013 a lei nº 12.485, cuja ementa é a seguinte: “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”. Lê-se, no artigo 2º, que “considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida”. A mais grave – e, desgraçadamente, a que mais ocorre – forma de atividade sexual não consentida é o estupro, que, desde a minirreforma realizada no Código Penal no ano de 2009, passou a permitir que sujeito passivo seja tanto o homem quanto a mulher.
            A simples possibilidade, quiçá probabilidade, que afinal se converteu em realidade, de que a lei fosse sancionada mobilizou campanhas, especialmente nas “redes sociais”(leia-se Facebook), em que se afirmava que a partir dela seria liberado o aborto. Nunca eu tinha lido tolice de tal magnitude, própria de quem “ouviu cantar o galo, mas não sabe onde”, conforme o vetusto adágio popular.
            O que essa lei fez é obrigar o Estado a prestar atendimento àquelas pessoas – homens ou mulheres – que foram vítimas de crimes sexuais violentos, ou seja, que tiveram o valor “dignidade sexual”, em seu subtipo “liberdade sexual”, violado por outrem. Uma das facetas do atendimento, que a “novatio legis” chama de “integral”, consiste na “profilaxia da gravidez” e sem dúvida foi esta expressão que levou os desavisados a precipitadamente iniciarem campanha afirmando que seria permitido o aborto. Profilaxia, segundo o dicionário Houaiss, tem como um dos significados “prevenir”, o que vale dizer, a vítima pode prevenir a gravidez.
            Se a vítima quiser, ela pode prevenir a gravidez, caso em que lhe será ministrada a “pílula do dia seguinte”. Neste ponto, a lei em questão veio apenas antecipar aquilo que a vítima pode fazer caso ela constate que a “violência sexual” engravidou-a. Sim, pois o Código Penal atual (relembro: é do ano de 1940) permite que a mulher que engravidou como consequência de uma conjunção carnal, a que foi submetida sem consentimento, interrompa o estado gravídico. Em resumo: antes da lei, era necessário que a violentada aguardasse e se submetesse a exames para verificar se havia engravidado (quanta angústia!); caso houvesse engravidado, poderia submeter-se ao aborto, vale dizer, a uma intervenção médica invasiva (quanto risco!).
            Esta espécie de aborto chama-se sentimental e a sua razão de ser é óbvia: não obrigar a mulher a suportar uma gravidez, e depois uma maternidade, fruto de um ato violento, que atingiu a sua dignidade sexual.
            A lei prevê outras providências, como, por exemplo, a profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis, e outras providências mais de ordem jurídica, como, por exemplo, o exame do DNA (do sujeito ativo, claro) para futura responsabilização do agressor. Coletando sêmen será possível atingir tal finalidade.
            Essa nova lei, na parte em que sofreu ataques, não traz muita novidade: se a pessoa podia interromper a gravidez, pode, agora, impedir que ela se forme. Quem pode o mais, pode o menos...

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
Vigência
Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Art. 2o  Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.
Art. 3o  O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:
I - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas;
II - amparo médico, psicológico e social imediatos;
III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;
IV - profilaxia da gravidez;
V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;
VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia;
VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
§ 1o  Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitarem.
§ 2o  No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal.
§ 3o  Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do agressor.
Art. 4o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.
Brasília,  1o  de  agosto  de 2013; 192o da Independência e 125o da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Alexandre Rocha Santos Padilha
Eleonora Menicucci de Oliveira
Maria do Rosário Nunes
 
Este texto não substitui o publicado no DOU de 2.8.2013



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...