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Lewandowski, o tempo e o julgamento do "mensalão"


                       
            “O tempo é uma duração pura” – este é um conceito do filósofo francês de origem judia Henri Bergson, e acrescenta Miguel Reale, em sua obra “Filosofia do Direito”, que nós o “especializamos”, criando os anos, meses, dias e horas.
            O tempo tem uma importância muito grande no Direito Penal, seja, nos países em que não existe a pena de morte, para tirar dos condenados uma parte do tempo de suas vidas, seja para marcar por quanto tempo pode o Estado exercer o “jus puniendi”. Como dito, nos países em que não existem as penas corporais (morte e castigos físicos, tais como açoites e mutilações), a pena fundamentalmente se constitui nas privativas de liberdade, em que esta é tirada do condenado perpétua ou temporariamente.
            O tempo – ou o seu decurso, melhor dizendo – é um tenaz inimigo do exercício do “jus puniendi” (poder-dever de punir), sob vários aspectos. O primeiro deles diz com as causas de extinção da punibilidade estreitamente ligada ao decurso do tempo. A mais importante é a prescrição: há um tempo marcado pelo Estado para exercer o seu direito-dever de punir e se ele não conseguir fazê-lo, está extinta a punibilidade (no Brasil, exceto para o crime de racismo). Ainda nessa linha há a decadência e a perempção, extintivas também ligadas à passagem do tempo. Outra extintiva da punibilidade que pode vir – e sempre vem – com o passar do tempo é a morte, caso em que o sujeito ativo, seja réu, condenado, recorrente ou executado, terá a punibilidade extinta – “mors onmia solvit”. Alguns preferem escapar da punição pela porta da desencarnação, como fez o marechal Goering.
            A passagem do tempo pode provocar modificações na lei penal e se for para abranda-la, retroage para beneficiar o sujeito ativo. Essa modificação pode ser radical a ponto de representar a revogação da lei, descriminalizando a conduta que nela estava descrita como delito, hipótese em que deverá retroagir. Ou, simplesmente, para atenua-la (“novatio legis in mellius”), caso em que também retroage.
            O passar do tempo revela-se, ainda, inimigo ainda do exercício do “jus puniendi” pois ele provoca o esquecimento nas pessoas – testemunhas – que presenciaram o fato delituoso e, com a descrição que fizerem, auxiliarão na reconstrução histórica do acontecimento que se pretende apurar se foi delituoso e, com isso, punir quem o praticou.
            Na última e mais evidente hipótese dos benefícios que a passagem do tempo produz é impedir que a sentença condenatória transite em julgado e o condenado seja compelido a iniciar o cumprimento da pena.
            Foram essas lembranças que me vieram à mente ao assistir ao triste, porém perfeito, trabalho que o ministro Ricardo Lewandowski vem desempenhando no julgamento da Ação Penal 470, popularmente conhecida como “mensalão”. Tanto no julgamento principal, quanto no dos embargos, ele tem usado todo o tempo que pode – e pode muito, pois o regimento do STF não prevê quanto tempo um ministro pode utilizar para votar (ler o voto, na verdade), ao contrário do que faz com os advogados -: ao se lhe ser dada a palavra, principia a falar interminavelmente. Questões que a corte já decidiu de forma unânime são retomadas por ele inutilmente: afinal, já estão decididas. Amigo de Lula (frequentava a sua casa) e de José Dirceu, está desempenhando fielmente o papel a que se propôs.
            Como os crimes pelos quais os réus foram condenados e pela quantidade de pena imposta, algumas das consequências da passagem do tempo estão excluídas, exceto a morte do réu ou o abrandamento da lei. É de se concluir, então, que ele está querendo provocar o adiamento ao máximo do trânsito em julgado da condenação: afinal, “enquanto a vara sobe e desce, as costas descansam”.
"Lewandowski, escolhido revisor do processo, era próximo de Lula e de sua mulher, Marisa Letícia. Frequentava a casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo e tinha Dirceu entre seus amigos.Em um almoço recente com Lula, afirmara que não via provas para a condenação." Do livro "Dirceu", de Otávio Cabral, página 320.


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