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O século passado

Parece que foi ontem, mas tudo isso aconteceu no século passado. Não faz um século, porém, mas meio ou mais, sim. Foi naquele século que o Brasil - o ex-país do futebol - teve uma das melhores equipes, a que venceu a Copa do Mundo da Suécia e revelou ao mundo um adolescente que se tornaria o "atleta do século", ou "de todos os tempos". Não havia televisão para assistir às exibições do "escrete canarinho": ouvíamos tudo pelo rádio, com aquela estática ao fundo, e a imaginação se deixando levar pelo entusiasmo dos narradores. Depois desse triunfo, ainda no mesmo século, o Brasil se tornou bi-campeão - ainda não pudemos ver pela televisão. E, ainda naquele século, já com transmissão em cores, foi possível ver o Brasil vencer pela terceira vez a Copa do Mundo e ficar definitivamente com a Taça Jules Rimet (ficar definitivamente é força de expressão, porque algum sem-educação furtou-a e derreteu-a [já naquele século o brasileiro não tinha educação - destruía até símbolos de conquista, como hoje furta placas comemorarivas e picha monumentos]). Nesse século era uma alegria ao espírito ver o adolescente que havia se projetado na Copa do Mundo se 1958 fazendo peripécias nos estádios de futebol. A televisão somente chegou na cidade em que eu morava no ano de 1963.
Foi naquele século também que pudemos ver um quarteto de cabeludos ingleses ("os quatro rapazes cabeludos de Liverpool") cantando rock de forma nunca antes vista, seja pelas letras infantis, seja pelas roupas diferentes, seja pelos cabelos longos, algo extravagante para a época. Que delícia ouvir I wanna hold your hands, Help e tantas outras. Foi nessa época também que tivemos raiva de Yoko Ono, sempre apontada como a responsável pela dissolução daquele quarteto fantástico. Mas cada um seguiu uma carreira solo, o que, de certa forma, serviu como consolo.
Foi naquele século também que vimos Mary Quant lançar uma roupa extremamente ousada para aquele tempo, a minissaia, que, dependendo de quem a usava, era um colírio para os olhos.
Foi ainda no século passado que pudemos ver o homem chegando na Lua, algo que muitas pessoas afirmavam, jurando, que não passava de mais uma produção de Hollywood.
Foi ainda naquele século que Martin Cooper inventou essa máquina, cujo uso distorcido ele mesmo verberou recentemente, chamada telefone celular.
Foi ainda no século passado que foi inventada esta máquina que eu estou usando para escrever, o computador, e essa maravilha que usarei para postar este texto, a internet.
Foi nesse século que foi criado um meio pelo qual as pessoas não precisam usar dinheiro vivo, nem preencher cheque, o cartão de crédito.
Foi nesse século que pudemos assistir aos filmes do "espião a serviço de Sua Majestade", James Bond, vivido por Sean Connery e posteriormente por Roger Moore. Aquele com licença para matar, visível nos dois zeros (007).
Foi um grande século, talvez o melhor de todos.
Um século para se dizer (copiando Ataulfo Alves: alguém o conhece? ele foi do século passado): eu era feliz e não sabia.


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