Pular para o conteúdo principal

Orhan Pamuk e a professora de Sumaré

Orhan Pamuk é um escritor turco, agraciado com o Premio Nobel de literatura de 2006. Num de seus livros, Istambul (alguns analistas o apontam como autobiográfico), ele conta que lembra quando foi introduzida na pedagogia da escola em que estudava uma vara longa, que permitia ao professor pespegar varadas nos alunos sem sair da sua cadeira (cátedra, na linguagem antiga). Ele é 4 anos mais novo do que eu, de forma que se pode dizer que somos contemporâneos. Eu lembro do tempo em que estudava em um colégio católico masculino (Colégio São Norberto de Jaú [ou do Jaú, como se dizia], que nós chamávamos de "colégio dos padres", em contraposição ao colégio católico feminino, vizinho, administrado por freiras - Colégio São José, que nós chamávamos de "colégio das freiras"), em que os nossos professores, a maioria padres belgas, da ordem premonstratense, praticavam agressões físicas, consistentes em tapas na orelha ou "coques" na cabeça, contra os alunos indisciplinados (era comum outro castigo físico: escrever 50, 100, 150 páginas de qualquer baboseira, o que obrigava os alunos castigados a se socorrer dos membros da família para cumprir o castigo: a letra saía diferente, mas vá lá...). Não era raro ver os internos (sim, era regime de internato e semi-internato) descerem para as aulas do período matutino com as orelhas rubras de tantos puxões. Por não ter me saído bem (em bom português: fui reprovado), meu pai me transferiu para uma escola pública (Instituto de Educação Caetano Lourenço de Camargo), em que não havia agressões, mas éramos obrigados a usar uniforme e respeitávamos os professores e colegas. Não existia "bullying".
Tudo isso foi substituído por um pretenso diálogo, conversa a não mais poder, mas o passar inflexível do tempo demonstrou que ninguém tem tempo para tanto diálogo: se existem conversas, elas são efêmeras...
Tudo isso me veio à lembrança ao tomar conhecimento da atitude de uma professora de Sumaré que, talvez cansada das traquinagens de um aluno de 12 anos, enviou aos seus pais um bilhete pedindo providências (no tempo a que me referi havia uma caderneta em que eram escritas as notas: havia nota para o comportamento). As providências consistiriam em "conversar com o filho" e "varadas" (ah! Orhan Pamuk), caso isso fosse necessário. Prendeu-me a atenção, também, a péssima grafia da professora, que, sabe-se, não saltou de paraquedas e caiu dentro da escola: ela foi submetida a um concurso público para ser admitida no importante cargo, que percebe mensalmente uma miséria.
E depois eles querem que a pena atinja uma das suas finalidades, a reeducação do condenado: há um constante "pisar em ovos" na educação e quem educa nem está preparado a tanto.
Silvio Artur Dias da Silva

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante