Pular para o conteúdo principal

A Vitimologia e a Polícia Militar

A Vitimologia estuda o comportamento da vítima, sob vários ângulos, no cometimento do crime. Alguns autores negam-lhe a dignidade de ciência; porém, não é difícil constatar que o Direito Penal brasileiro faz referência ao comportamento da vítima em várias passagens: assim é no artigo 59, em que estão as circunstâncias judiciais que devem ser analisadas pelo magistrado na primeira fase de aplicação da pena, ao fixar a pena-base, em que há referência ao "comportamento da vítima". Há uma circunstância atenuante genérica, a ser sopesada na segunda fase da aplicação da pena, consistente em ter sido o crime cometido "sob a influência de violenta emoção, provocado por ato injusto da vítima"(artigo 65, inciso III, letra "c"). Também no homicídio privilegiado, em que o artigo 121, parágrafo 1o, a lei alude ao crime de morte cometido "sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima", hipótese em que a pena deve ser diminuída de 1/6 a 1/3.
Ao abordar o "comportamento da vítima", Julio Fabbrini Mirabete formula alguns exemplos "in genere": maridos verdugos, esposas megeras, pessoas que exibem grandes quantias de dinheiro, a que se pode acrescentar: pessoas que estacionam o veículo em local ermo. A realidade dos fatos tem mostrado outros exemplos e um deles é aquele aque a mídia alcunhou de "saidinha do banco": a pessoa saca vultosa quantia do banco e, ao pisar na calçada, ou mesmo depois de andar alguns metros, é abordada geralmente por uma dupla que anuncia o "assalto", levando todo o dinheiro. Por vezes, a vítima reage e é morta.
A Polícia Militar do estado de São Paulo está distribuindo uma "cartilha" (elas são colocadas anonimamente no interior nos saguões de bancos, próximas aos caixas eletrônicos) em que indica alguns passos a serem seguidos por pessoas que fazem saques bancários, seja em caixa eletrônico ou em caixa "humano". O título é "operação saque seguro" e contém várias orientações que, se forem seguidas, importarão em segurança àquele que fez o saque, e, óbvio, em dificuldade ao criminoso. 
Pois é: a Polícia Militar orientando as pessoas a não figurarem no polo passivo da infração penal, ou seja, vítimas.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...