Pular para o conteúdo principal

Lula e a prisão de Sergio Moro



 
       
     Estourou como um petardo e foi replicado à exaustão: Lula e sua família requereram a prisão do juiz federal Sergio Moro, a quem compete julgar as malfeitorias atribuídas aos requerentes, com base lei específica sobre o tema, a Lei número 4.898/65. O público leigo fica impressionado pelo impacto da manchete, porém quem conhece minimamente as leis penais e processuais penais não consegue reprimir uma gargalhada.
            A lei que rege o assunto – a 4.898/65 – é um legítimo produto da época da ditadura, em que governava o país Humberto Alencar Castello Branco. O espírito da lei era punir os abusos que começavam a ser praticados nos porões (a respeito, deve ser lida a trilogia de Elio Gaspari: A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada e A ditadura derrotada, bem como a obra Brasil: nunca mais) e a finalidade não era punir, mas sim apresentar um arremedo de punição. A respeito dessa lei, disse em monografia uma aluna do mestrado da Faculdade de Direito da USP (a famosa São Francisco, ou Arcadas) “que o legislador andou pisando em ovos”, ou seja, criminalizou as condutas com o mínimo de rigor. A ementa dessa lei, que é de 9 de dezembro de1965, assim especifica: “regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa,  civil e penal por abuso de autoridade”. Considera a lei (artigo 3º)  abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção, inviolabilidade de domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício de culto religioso, à liberdade de associação, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício de voto, ao direito de reunião, à incolumidade física do indivíduo, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
            Pode até ser discutido se o juiz federal, no exercício de sua atividade funcional, violou alguma dessas proibições, porém o que salta aos olhos é que não existe nenhum fundamento a um pedido de prisão. O uso da prisão preventiva, que sempre no Brasil foi um abuso, ficou restringido com o advento da lei que criou os juizados especiais criminais, a de nº 9099/95. Ela criou a categoria das infrações penais de menor potencial ofensivo, em relação às quais não há sequer processo, tudo podendo ser resolvido num “acordo” entre o (apontado) autor do fato e o Ministério Público, chancelado pelo Poder Judiciário. Essas infrações são aquelas às quais é cominada a pena de multa ou privativa de liberdade não superior a 2 anos. Posteriormente, veio uma reforma do Código de Processo Penal, mais precisamente no ano de 2011, em que a prisão preventiva passou a ter um uso muito restrito, funcionando como a última medida a ser tomada, sendo preferível o uso de medidas substitutivas restritivas, e uma das suas facetas é o uso da tornozeleira eletrônica.
            Pois bem: os crimes previstos na lei de abuso de autoridade têm como punição a multa (de 100 cruzeiros a 5 mil cruzeiros, atualizados porém pelo artigo 12 do Código Penal, transformados em dia-multa, no mínimo 10 e no máximo 360, como o valor de cada dia multa em 1/30 do salário mínimo até 5 vezes o salário mínimo), a detenção por 10 dias a 6 meses. Como se vê, são infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, alcançadas, assim, pela lei n º 9099/95.
            Incabível, assim, a decretação de prisão, mesmo que o magistrado fosse condenado. Quanto a Lula, o risco de que seja "enjaulado" é iminente e há fundamentos - fracos, ainda - para decretar a prisão preventiva.
            Quanto ao pedido de Lula e sua família só pode ser dito o seguinte: “you must be joking”...

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...