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O louco do 51.




      O mundo gira a Lusitana roda – este era o lema de uma transportadora famosa, a Lusitana. Era escrito assim mesmo, sem o “e”, nem vírgula. Uma rápida “vista d’olhos” no Google mostra que a empresa ainda existe e está em plena atividade. Ou seja. Rodando, embora uma das suas atividades seja a de “guarda-móveis”...
      Pois foi pensando nesse lema é que eu lembrei de dois fatos que me ocorreram e que demonstram que o mundo gira e às vezes há uma conjugação de fatos que parecem à primeira vista não ter ligação, mas talvez algo metafísico explique o enlace entre eles.
      Na década de 80, ministrando uma aula na faculdade de direito sobre o tema “inimputabilidade”, dei como exemplo de doença mental a esquizofrenia. Nesse tema jurídico-penal, são estudadas as causas que levam a pessoa ao estado de inimputabilidade, ou seja, causas que a tornam inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato que pratica ou de determinar-se conforme esse entendimento. Nessa hipótese, em vez de aplicar uma pena o juiz impõe uma medida de segurança, que pode ser detentiva (internamento em hospital psiquiátrico) ou não detentiva (tratamento ambulatorial). Cumprindo a tarefa que lhe cabe, o Código Penal estabelece que quem “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado” encontra-se nessa situação é inimputável, sem, claro, especificar quais são as doenças que provocam essa situação. Definir o que são as doenças mentais e o que é desenvolvimento mental incompleto ou retardado é tarefas  cargo de outra ciência, a Medicina, em sua especialidade Psquiatria. Nesse campo também a Psicologia tem voz.
      Porém, os doutrinadores da matéria têm o hábito de dar alguns exemplos de doença mental e o preferido é a esquizofrenia, talvez por ser a mais ocorrente. Ao dizer esse exemplo - esquizofrenia - em sala de aula, um aluno levantou o braço direito sinalizando que queria fazer alguma pergunta. Dei-lhe a palavra e, em vez de fazer a pergunta, ele disse, alto e bom som, que tinha um irmão esquizofrênico. Esse tipo de observação pessoal é constrangedor porque não é assunto de sala de aula já que se trata de assunto familiar do aluno. Obviamente, não dei prosseguimento ao assunto - sobre o irmão esquizofrênico - e se encerrou ali.
      Terminada a década de 80 e recém iniciada a de 90, mudei-me com a família para um apartamento num prédio localizado na rua Coronel Quirino, Cambuí. Logo nos primeiros dias na nova moradia, meus filhos, então em tenra idade, chegaram um dia assustados, dizendo que naquele mesmo prédio morava um louco, mais especificamente no apartamento 51; ele era conhecido como o “louco do 51”. Disseram, ainda, que a porta da cozinha do apartamento  em questão tinha sido destruída, sendo precariamente reconstruída com “durepoxi”.
      Indagando aos empregados do condomínio, veio a descoberta: aquele "louco do 51" era o irmão do aluno que fez a pergunta constrangedora em sala de aula. Tratava-se, porém, de "louco manso", cujo ato de maior agressividade tenha sido contra a porta. Ele atacava ainda a realidade: provocado pela doença, ele fantasiava que era casado com alguma mulher famosa (na época, Vera Fischer), ou era empresário de algum cantor famoso (Rick Martin, por exemplo); puros delírios.
      Pois é: o mundo gira e as coincidências ocorrem.
     

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