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A facção criminosa e a redução da criminalidade


 

            Na década de 90, início, foi criada uma facção criminosa que atua dentro de presídios paulistas e, evidentemente, foi criada no interior de um presídio. Antes, porém, no final da década de 70 foi criada a mais antiga facção criminosa do Brasil, o carioca Comando Vermelho, ou, simplesmente, CV ou CVRL. Foi criado como, digamos, uma “joint venture”  entre os criminosos comuns e os presos políticos. Estes, em sua maioria pessoas letradas, faziam parte de organizações rotuladas de “terroristas” e que se opunham ao governo militar, que estava em seu ocaso. Os “terroristas” eram organizados em suas ações e a convivência entre uns e outros no Rio de Janeiro deu oportunidade a que fosse criado o CV.
            Daquele tempo até os presentes dias a facção criminosa paulista expandiu-se e num recente episódio, resultante de escutas telefônicas autorizadas, foram 175 de seus componentes denunciados com um pedido de prisão preventiva deles, infrutífero. Os diálogos mostraram algumas peculiaridades, para não dizer curiosidades, e sobre uma delas falarei aqui: num dos diálogos o falante afirma que foram eles, os da facção, que reduziram a criminalidade no estado de São Paulo e não as autoridades constituídas.
            Antes, porém, quero esclarecer que o meu contato com o mundo jurídico-penal se deu no ano de 1974, quando fui aprovado em concurso para o cargo de escrevente no fórum de Campinas e fui classificado no 3º Ofício Criminal, designado para trabalhar em processos cujos réus estavam presos. Depois, formado, o ano era 1977, fiz parte de um grupo que auxiliava o PAR – Patronato de Ajuda ao Reeducando, entidade criada pelo então juiz da 2ª Vara Criminal e Corregedor dos Presídios e da Polícia Judiciária, Roberto Telles Sampaio (em Campinas havia apenas o “cadeião” do São Bernardo, eufemisticamente chamado de presídio). Depois, já Procurador do Estado, no ano de 1992, fui nomeado Coordenador da Assistência Jurídica em Presídios da Região de Campinas, durante dois anos, função a que retornei no ano de 2002 e em que estive por aproximadamente 3 anos.
            Durante todo o tempo antes do advento da facção criminosa era comum em presídios um tipo de crime contra alguns presos indefesos: o (então) atentado violento ao pudor (hoje estupro). Cheguei a ver preso que teve os pelos das pernas raspados para ficar mais assemelhado a uma perna de mulher. Era comum também o crime de homicídio. Enquanto estive pela PAJ Criminal de Campinas perante a Vara do Júri (e isso foi a partir de 1985) atuei em vários casos de homicídio ocorridos no “cadeião” do São Bernardo (alguns deles são capítulos do meu livro “Casos de júri e outros casos”).
            Pois bem: depois que a facção “tomou as rédeas” (e sobre isto falarei em outra oportunidade) do controle dos presídios tais delitos deixaram de ser praticados. Porém, outros estão sendo, como a doação não espontânea de dinheiro à facção e o tráfico de entorpecentes, para não falar da venda de aparelho celular. Então houve, como se diz popularmente, uma “troca de seis por meia dúzia”, quiçá de “meia dúzia por oito”. As escutas revelaram que a organização tem 7 milhões de reais escondidos em algumas propriedades e esse “ervanário” (para lembrar Elio Gaspari) não foi ganho em loteria. Sem contar o dízimo que é pago à "instituição" por cada crime patrimonial que é cometido - e são incontáveis.
            Portanto, é uma balela afirmar-se que a facção conseguiu reduzir a criminalidade. Voltarei ao assunto.

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