Jales
é uma cidade paulista de 48.620 habitantes localizada a 586 km da capital e foi
posta em evidência no Brasil em virtude da atitude de um pedreiro. Um seu filho
envolveu-se na prática de dois roubos duplamente qualificados (concurso de
pessoas e emprego de arma), um contra uma farmácia, outro contra um posto de
gasolina. O rapaz foi preso e seu pai, o pedreiro Dorivaldo, procurou o dono da
farmácia e o dono do posto propondo-se a indenizá-los. O prejuízo da farmácia
foi de 300 reais; o do posto, 900.
Um
dos efeitos civis da sentença penal condenatória é tornar certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime, conforme está escrito no artigo 91, inciso
I, do Código Penal. A partir de uma reforma realizada no Código de Processo
Penal no ano de 2008, passou a ser permitido ao magistrado que na sentença
condenatória “fixe um valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando-se os prejuízos sofridos pelo ofendido”, conforme o
artigo 387, inciso IV.
Em
outras passagens, o Código Penal ora diminui a pena, ora apenas a atenua, para
quem repara o ano causado pelo crime. Exemplo de causa de diminuição da pena
pela reparação do dano é o arrependimento eficaz, descrito no artigo 16 do
código, em que a pena é diminuída de 1/3 a 2/3; todavia, ele não alcança os
crimes cometidos com violência ou grave ameaça, como é o caso do roubo. Exemplo
de circunstância atenuante está no artigo 65, inciso III, letra “b”: “ter,
antes do julgamento, reparado o dano”. Trata-se, como dito, de mera agravante,
e a pena fixada não pode ser inferior ao mínimo.
Mas
Dorivaldo não conseguiu ressarcir o farmacêutico: ao levar-lhe os (suados,
acredito) 300 reais foi surpreendido pela notícia de que um comerciante da
cidade houvera se antecipado e ressarcido a vítima, sob a condição (bíblica) do
anonimato. Com o dono do posto a tratativa foi diferente: Dorivaldo assinou 10
promissórias de 90 reais cada uma, vencíveis mensalmente. Aqui, a surpresa foi
maior: uma mulher de Blumenau (985 km de Jales) telefonou ao dono do
posto, pediu o número da conta bancária e depositou os 900 reais, também sob a
condição de anonimato.
Num
tempo como o de agora, em que a cada semana “estoura” um escândalo envolvendo
políticos desviando dinheiro público, com a Polícia Federal promovendo
operações e prendendo os envolvidos, em que a coisa pública é tratada como
privada (como dizia um humorista antigo, já falecido), a história protagonizada
por Dorivaldo mais parece de ficção. Da mesma forma o
comportamento das pessoas que ressarciram os danos causados pelos delitos
praticados pelo seu filho – que, registra-se, nesta hora não foi renegado pelo
pedreiro. Essas condutas mostram que nem tudo está perdido.Ao menos entre os do povo.
Dorivaldo
estava desempregado, vivendo de “biscates (“bicos”, na linguagem mais atual). E
a sua pretensão é muito simples, inversamente proporcional à sua dignidade: ele
quer um emprego em que seja registrado, de faxineiro, carpinteiro ou
jardineiro: “é mais seguro ser registrado. A gente hoje não paga INSS, nem tem
garantia de nada”. Com a popularidade que alcançou, poderia candidatar-se a algum cargo eletivo, com, certamente, polpudos vencimentos. Ledo engano. Ele jamais poderia ser político por faltar-lhe um requisito:
a malandragem.
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