Ele era ex-policial
militar e era “ex" porque ele fora expulso da corporação, sob a acusação de
haver cometido o crime de peculato[1],
um dos mais graves delitos praticados por funcionário público contra a
Administração Pública. Ingressou na mídia. Tinha um programa numa emissora de
rádio AM de Campinas. Criou um bordão - “vai tomar café na canequinha” – para
referir-se às pessoas que eram presas e encarceradas no “cadeião” (Cadeia
Pública do São Bernardo). Ademais, chamava o “cadeião” de “pensão”, colocando
como proprietário o governador da época (“pensão do Maluf” – sem nenhuma “indireta”).
Para enfatizar, batia com uma caneca de metal em algum objeto também de metal,
imitando o barulho que um preso faria batendo a sua caneca na grade.
Ele se pôs, talvez a
soldo da parte contrária, a criticar em seu programa uma pessoa de Campinas que
estivera envolvida em alguns fatos delituosos, porém sempre foi absolvida.
Atingiu essa pessoa em sua honra. O ofendido, em vez de procurar os meios
próprios, no caso, um processo criminal, para responder ao radialista, foi à rádio interpela-lo;
discutiram fortemente, com, certamente, troca de ofensas. Dizendo-se ameaçado, o radialista foi ao 1º Distrito
Policial e ali foi elaborado um boletim de ocorrência pelo crime de ameaça[2].
Inquérito ultimado, enviado ao fórum e distribuído à 4ª Vara Criminal e denunciado pelo crime de ameaça. Contratou-me para atuar em sua defesa.
No dia da audiência de
julgamento, durante a oitiva da vítima, crivei-a de perguntas, especialmente em
que ela havia trabalhado antes de se tornar radialista, porque fora exonerado
do cargo e outras. Eu queria demonstrar, ademais, que um ex-policial militar não se intimidaria
tão facilmente, apesar do crime em questão ser daqueles classificados
doutrinariamente como “formais” ou “de consumação antecipada”. O Promotor de
Justiça irritou-se e protestou ao juiz, pedindo que as perguntas não fossem
formuladas à vítima. O juiz, que era um substituto, disse que as faria em respeito ao
princípio da ampla defesa. Mais irritado, o membro do Ministério Público
abandonou a audiência.
Porém, nem esta sua
atitude enfezada serviu para alicerçar uma condenação: o réu foi absolvido.
Entendeu o magistrado que os termos usados naquela discussão não compunham
material do crime de ameaça.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume 2 - a ser publicado.)
[1].
Artigo 312 do Código Penal: “apropriar-se o funcionário público de dinheiro,
valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em
razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio”, com a pena de
reclusão, de 2 a 12 anos, mais multa.
[2].
Artigo 147 do Código Penal.
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