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As várias mortes do prefeito (capítulo 36)



                                                                                              Foi, por essa ocasião, encaminhada, pelo 4° DP, uma pistola calibre 9 mm, apreendida em poder de Nivaldo, vulgo “Bóris”[1]
                                                                                                Um dos policiais militares que atenderam a ocorrência, Robson Biazon[2], foi novamente ouvido, no dia 27 de dezembro, tendo reafirmado que na data do fato exibiu “duas cápsulas deflagradas calibre 9 mm à autoridade policial, as quais lhe foram entregues pelos policiais militares Sd Waltemir e Sd J. Carlos”. Que, “naquela oportunidade, referidos milicianos lhe disseram que haviam encontrado tais cápsulas aproximadamente cento e cinqüenta metros do local onde se achava o veículo pertencente ao ofendido”. O depoimento foi tomado pelo Delegado de Polícia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa do DEIC, São Paulo.
                                                                                                Já no ano seguinte, no dia 2 de janeiro, o mesmo Delegado de Polícia tomou, na presença do advogado da família, o depoimento da pessoa que estava no interior do Vectra verde que fora atacado por pessoas que se encontravam no interior de um Vectra prata, no dia 10 de setembro, por volta de 22,00 horas. Da audiência participaram dois Promotores de Justiça (estes e mais outros dois subscreveram a denúncia contra “Andinho”). Relatou a testemunha trafegavam pela Rua Nova Granada quando, por volta de 22,10 horas, “ocupantes de um outro veículo de cor clara e demais características ignoradas colidiram contra o automóvel que o depoente ocupava, mais precisamente na lateral esquerda do motorista, instante em que passageiro do outro veículo, portando uma arma de fogo que parecia ser de grande calibre, cor escura, semelhante a uma pistola bateu com a referida arma no vidro do motorista do veículo que ocupavam, ou seja, na janela do sr., onde tal indivíduo que trajava um gorro escuro sobre sua face, o qual dizia ‘encosta aí” (sic)”. O motorista do carro em que estava acelerou e escapou. Sobre os ocupantes do outro veículo, disse ter “vizualizado dois com certeza, sendo o motorista e o passageiro que portava a arma de fogo”. Afirmou “não ter notado as características físicas dos autores do delito”.
                                                                                                Na mesma data e na presença das mesmas pessoas foi ouvido novamente o Secretário de Governo, que iniciou a sua fala descrevendo quando conheceu o prefeito, que nada de novo trouxe ao inquérito; foi, ainda na mesma data, ouvida a pessoa que estava dirigindo o Vectra verde que foi abordado na Rua Nova Granada no dia 10 de setembro, por volta de 22,05 horas. Também nada trouxe de novo, porém reforçou os seguintes pontos: “pôde visualizar a presença que naquele veículo de cor clara haviam (“sic”) cerca de três pessoas, todavia notou com certeza a presença de dois, não tendo sido possível notar suas características físicas, pois ambos usavam gorros de cor escura do tipo motoqueiro que cobriam seus rostos; naquela ocasião não notou a presença de motocicleta pelo sítio do evento”.
                                                                                                Continuando a colher depoimentos, o Ministério Público, aos 8 de janeiro de 2.002, ouviu, na presença do Delegado de Polícia do DHPP, o advogado da municipalidade e mais dois advogados (que provavelmente acompanhavam a testemunha) uma pessoa, chamada Ismar, que fez uma narrativa resumidamente assim: “no dia 10 de setembro de 2001, estava dirigindo seu veículo Fiat Palio, de cor prata, rumando para o bairro situado nas proximidades do Colégio ‘Notre Dame’, onde iria buscar um remédio na casa de uma amiga, de nome Paula; assim, passou pelo Shopping Iguatemi e pelo Supermercado Carrefour, ingressando, então, na avenida Mackenzie; naquele momento, dirigia em baixa velocidade, pois conversava ao celular com a já citada amiga; quando passou pela concessionária de veículos ‘Adara’, percebeu que havia um Fiat Palio fora da avenida, do lado esquerdo, no sentido Shopping-Notre Dame, exatamente no terreno onde existem alguns ‘outdoors’; este veículo estava parado, com a porta do motorista aberta e as luzes internas e externas acesas; acredita que a seta do lado esquerdo ou o pisca-alerta do Palio estava acionada; como havia sido assaltado cerca de quinze dias antes, percebeu que algo acontecia e chegou a comentar com a amiga que provavelmente estava vendo um carro roubado e abandonado. Em seguida, viu que do lado direito da avenida, considerando-se o mesmo sentido de direção, havia um carro parado junto ao meio fio, como que estacionado, com os faróis desligados; acredita que tal veículo era um Vectra ou um Ômega, de cor clara, não descartando outro modelo com as mesmas dimensões; vendo isso, diminuiu ainda mais a velocidade e imediatamente percebeu que um homem atravessou a avenida, no sentido em que estava o Palio para onde encontrava-se o outro carro estacionado e neste ingressou pela porta do passageiro, pois havia outra pessoa aguardando-o ao volante; pode descrever o indivíduo que atravessou a avenida como sendo de cor morena, parda, magro, com cerca de 1,75 metro, cabelo aparado bem curto, praticamente raspado, e com cavanhaque; logo que tal indivíduo ingressou naquele automóvel, este partiu acelerando para ganhar velocidade e somente os faróis foram acionados quando já estava o carro em movimento”. Comentou o que viu com a amiga com quem estava ao telefone. Ao ficar sabendo da morte do prefeito, ligou os fatos e procurou a polícia, mas esta, na pessoa do Delegado Seccional, não teve interesse em ouvi-lo. Esclareceu que “no momento em que passou pelo local do crime, não havia ali nenhuma motocicleta, nem encontrou qualquer motocicleta trafegando pela avenida em qualquer sentido de direção”.





[1]. Esta pessoa, juntamente com “Valmirzinho”, havia seqüestrado a filha de um empresário da cidade, tendo sido o fato apurado pelo 4° DP; houve interceptação telefônica do aparelho móvel celular que “Valmirzinho” utilizava, o que foi decisivo na sua localização em Caraguatatuba, onde foi morto.
[2]. Irmão de um policial civil que esteve em Caraguatatuba no evento que resultou na morte de “Anso”, “Valmirzinho” e mais dois – fato referido pela sentença de impronúncia de “Andinho”.

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