O
assédio sexual tornou-se crime no Brasil no ano de 2001, pela Lei nº 10.224, de
15 de maio, definido no artigo 216-A; antes disso, era, claro, um indiferente penal.
Alguns anos antes, metade para diante da década de 90, tornou-se um “modismo”,
talvez uma paranoia, na “maior democracia do mundo”, os Estados Unidos da
América, a tal ponto de os elevadores, que até então eram automatizados,
passarem a ter ascensoristas. Inspirou Michael Crichton a escrever um livro,
“Revelação”, que foi filmado, exibido no Brasil sob o nome de “Assédio sexual”
(direção de Barry Levinson e estrelado por Michael Douglas e Demi Moore, entre
outros; produzido no ano de 1994).
O
premio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa nessa época foi convidado a
ministrar um curso numa universidade dos Estados Unidos e foi orientado pelo
diretor da faculdade em que ministraria o curso a não se aproximar das alunas
como – pensava ele – era hábito dos sul-americanos para evitar qualquer
possível acusação de assédio. Tocá-las, jamais.
Assediar,
segundo o dicionário Houaiss, tem como um dos significados “perseguir com
propostas; sugerir com insistência a; molestar”. Ao ser a conduta transformada
em delito, na época “contra os costumes”, mais especificamente “contra a
liberdade sexual”, em vez de trazer como verbo do tipo legal, o que seria
normal, “assediar”, trouxe outro, semanticamente muito mais forte e impositivo,
“constranger”. O texto legal é este: “constranger alguém com o intuito de obter
vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função”; a pena é de detenção, de 1 a 2 anos. A pena é aumentada de até 1/3 se
a vítima for menor de 18 anos (acréscimo introduzido pela Lei nº 12.015, de 7
de agosto de 1009), conforme o parágrafo 2º. É um crime próprio: somente podem
cometê-lo as pessoas que preencham a condição de “superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. O seu parágrafo
1º previa que incorreria na mesma pena quem cometesse o crime: “I –
prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; II –
com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério”. Foi vetado.
Comentando
o artigo em questão, diz Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal,
volume 4, página 72), que “a velha e condenável mania nacional de copiar
‘modismos norte-americanos’, atinge seu apogeu com a importação da exótica
figura do ‘assédio sexual’ (esta, pelo menos, sem reflexos em nossa combalida
balança comercial), símbolo por excelência do falso moralismo dos americanos do
norte”. Uma observação que o autor faz é referente ao que foi dito acima: “não
entrar sozinho no elevador com alguém do sexo oposto” (página 73).
Esse
exótico delito dá “traço” na
estatística criminal, fornecendo a (equivocada) ideia de que não ocorre. Talvez
ele ocorra e as vítimas resolvam não requerer a punição do autor porque, até o
ano de 2009, era crime de ação penal privada, ou seja, a vítima deveria
contratar um profissional advogado para que o sujeito ativo fosse
(possivelmente) punido. Com o advento da lei nº 12.015/09, o crime passou a ser
de ação penal pública condicionada, o que equivale dizer, basta que a vítima
faça uma representação à autoridade policial, ao Ministério Público ou mesmo ao
juiz, para que tenha início a movimentação estatal à punição do suposto autor.
Curiosamente,
o caso mais icônico envolvendo o delito definido no artigo 216-A do Código
Penal, envolveu um ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina, que
teria assediado sexualmente uma sua assessora, filha de outro ministro do mesmo
tribunal (nepotismo cruzado?). A queixa foi rejeitada, não de forma unânime,
pelo Supremo Tribunal Federal (órgão competente para julgar os ministros do
STJ), e, 6 anos após a rejeição da inicial acusatória, o ministro Paulo Medina
foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça, mas por
outro motivo: acusado de “vender sentenças” e de receber um milhão de reais
para favorecer empresas de caça-níqueis.
(Abaixo, o "link" do acórdão que rejeitou a queixa.)
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=80678
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