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O ato médico e a "cura" gay


 
            Dias atrás, as casas legislativas federais realizaram dois feitos no exercício de suas atribuições e que, de alguma forma, têm algum ponto de contato. No Senado, em votação simbólica, foi aprovado um projeto que há dez anos ali tramitava e que define o “ato médico”, ou seja, quais atividades são privativas de quem tenha formação médica. Como de praxe, vai à sanção (não seria melhor dizer “dalila”...) presidencial. Como a unanimidade quase nunca existe (o que é bom, pois, como dizia Nélson Rodrigues, “a unanimidade é burra”), enfermeiros, fonoaudiólogos e psicólogos criticaram-no, dizendo que ele criará alguma dificuldade no exercício dessas profissões.
            Na mesma semana, a Comissão de Direito Humanos da Câmara dos Deputados, presidida pelo polêmico pastor Marco Feliciano, aprovou um projeto que permite, em síntese, a “cura gay” (expressão cunhada pela mídia). O projeto, que é de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), pretende suspender dois artigos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, do ano de 1999, que impedem: a) que profissionais “tratem” homossexuais; b) que profissionais ajam coercitivamente impondo ao cliente terapia não solicitada. Foi aprovada na CDH e agora será encaminhada á Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.  O caminho a ser percorrido é longo até a aprovação,  mas é bom ficar atento.
            Há muito tempo a opção (ou orientação) sexual deixou de ser considerada uma doença e isto representou uma evolução, todavia não tão grande se for lembrado que nas Ordenações Filipinas, que estiveram em vigor no território nacional do ano de 1603 até o ano de 1830, quando foi promulgado o Código Criminal do Império, o homossexualismo – chamado ali de “sodomia” como alusão à cidade bíblica Sodoma – era punido com a morte por fogo, para que o vento levasse as cinzas de da existência do “criminoso” não restasse lembrança. Poética e altamente simbólica essa pena: destruição total da pessoa sem que dela restasse um túmulo em que fosse lembrada. Porém, cruel e desumana.
            Deixou de ser crime, todavia passou a ser considerada doença, com classificação no CID – Código Internacional de Doenças, até que dali foi sacada. Andaram bem nesse caminho os psicólogos, recusando-se a “tratar” (e, consequentemente, curar) os homossexuais. O que talvez poucos saibam é que já houve um ataque do mesmo gênero promovido pelos parlamentares ligados à Igreja Universal do Reino de Deus: os pastores poderiam exercer atividade semelhante aos psicólogos (quem nunca assistiu – ou ao menos ouviu falar de um programa veiculado na madrugada chamado “fala que eu te escuto”?). Este ataque “morreu no ninho” e é nítido que se pretendia com ele.
            Vem agora outro evangélico querer encarar os homossexuais como doentes e permitindo que eles sejam “tratados” e “curados”. Este evangélico, é bom que se saiba, não se autonomeou presidente da Comissão de Direitos Humanos: ele foi posto ali graças ao PT, PV, PSDB que, se não fizeram nada positivo, foram omissos, pois tinham direito a ocupar a presidência da comissão. Ademais, o partido a que pertence o pastor, o PSC, ajuizou ação no STF contra norma do CNJ acerca de casamento entre homossexuais. Ele está apenas seguindo as diretrizes de seu partido. “Façamos o que o mestre mandou."
            O preço da liberdade é a eterna vigilância: não se pode descuidar, pois Marco Feliciano está disposto a tudo nesse afã de "tratar" (e "curar") os homossexuais.




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