Pular para o conteúdo principal

Mídia e Direito Penal

O título poderia ser outro: Mídia e Processo Penal. Ou: Mídia e Direito Constitucional. Ou: Mídia e direitos do acusado.
O que tem intesse aqui, e que foi abordado quando se anunciou com estardalhaço o julgamento de Lindemberg, é que a mídia seria posta no banco dos réus para ser julgada por seus abusos. Não acredito que a advogada tivesse pensado em "compartilhar" a culpa de seu cliente, num arremedo grotesco da responsabilidade social de que falava um dos maiores representantes da Escola Positiva, Enrico Ferri, com a mídia. Ela não é letrada a tanto.
Há muitos anos o brilhante penalista Nilo Batista escreveu um texto, e eu o indico aos alunos do 1° ano : "Mídia e Sistema Penal no capitalismo tardio". Ao final deste, colocarei o endereço em que ele pode ser acessado e lido. Nilo já havia, no ano de 1994, quando então governava o Rio de Janeiro (ele fora eleito vice e Brizola havia se afastado para se candidatar a presidente), na abertura do Congresso da Associação de Direito Penal, feito um belíssimo discurso abordando o mesmo tema.
E isso tem preocupado os estudiosos do Direito Penal: a cobertura excessiva que alguns programas de televisão fazem de certos acontecimentos criminosos. Por alguns programas entenda-se: Datena, Sonia Abrão e, em alguma medida, os jornais da TV Record (esta rede é uma contradição: pertence a uma igreja evangélica e trata os meros suspeitos sem o menor respeito, afrontando até preceitos bíblicos).Tais programas acabam "julgando" o mero suspeito e num país em que o princípio da presunção da inocência (ou de estado de inocência) tem nível constitucional. Nos casos de júri (são quatro: homicídio, participação em suícidio, infanticídio e aborto - apenas os dolosos, por óbvio), essa cobertura desenfreada e agressiva pode produzir danos irreparáveis à defesa do acusado.
E essa preocupação agora materializou-se: a Comissão de Juristas nomeada pelo Senado da República para redigir um anteprojeto de Código Penal proporá que a pena do acusado seja diminuída caso tenha ocorrido durante o processo abuso dos meios de informação ("Comissão discute se abuso da imprensa pode reduzir prisão. Ideia debatida pelo Grupo é que o juiz considere a cobertura para fixar a pena. 'É uma compensação moral', explica um dos autores da proposta que pode reduzir tempo de reclusão em 1/6" - manchete da FSP, 14/2/12). Como no Brasil qualquer cerceamento à imprensa sempre é rotulado de "censura", a Comissão está propondo uma solução salomônica: a mídia pode continuar abusando, mas isso não pode prejudicar o acusado. Eu tenho um proposta intermediária (fundamentada no direito estadunidense): se a pessoa acompanhou a cobertura da mídia, não poderá compor o corpo de jurados. Pois é: no caso Lindemberg, perdeu-se uma grande oportunidade de julgar se a mídia (certa mídia - já citei acima) pratica abuso na cobertura de certos fatos delituosos.
No aspecto tratado aqui, tenho encorajado alunos a escreverem sobre o tema no TCC - trabalho de conclusão de curso ("monografia") e tenho visto bons trabalhos.
O tema comportaria mais palavras, mas dexarei isso para outra ocasião.

Texto do Nilo Batista
http://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...