Pular para o conteúdo principal

Ainda a impunidade

Dias atrás escreve neste espaço sobre a impunidade, prometendo que voltaria ao tema, e é isso que faço agora.
Uma das causas da impunidade é o excesso de leis. O Brasil segue um modelo chamado "direito escrito",  ao contrário de outro chamado "direito consuetudinário"; no primeiro, todos os direitos decorrem da lei (escrita), podendo ser fonte de direito, de alguns ramos do Direito, o costume, por exemplo (no Direito Penal, somente a lei pode ser fonte de direito); no segundo, os costumes, ou aquilo que é seguidamente praticado serve como fonte do Direito
O Brasil segue o primeiro modelo, que todos os direitos decorrem da lei, mas não é necessário que haja um excesso de leis, como ocorre no Brasil: leis tratando dos mais variados assuntos, o que faz com muitas delas não sejam aplicadas, nem exista interesse em aplicá-las. Aqui reside outro ponto: muitas destas leis são de aplicação do Poder Executivo e este simplesmente não as aplica, atuando por, digamos, "amostragem". Clássico exemplo: as leis de trânsito; cabe ao Poder Executivo verificar se as pessoas estão obedecendo as regras existentes no Código de Trânsito, como, por exemplo, estacionamento em locais permitidos e a fiscalização, que resulta na aplicação da lei, praticamente inexiste. É incrível, mas existe multa contra pedestre que atravessa a rua com sinal desfavorável a si (nunca soube de nenhum pedestre que tenha sido multado).
Outra causa geradora de impunidade é a prerrogativa de função, que a mídia burra e teimosamente insiste em chamar de "foro privilegiado". Há um "cipoal de leis" tão grande (a expressão é do ministro Nelson Hungria) para julgar autoridades que dificilmente um jurista conheceria todas. Exemplos: quem julga o prefeito municipal é o órgão especial do Tribunal de Justiça de seu estado; o governador de estado é julgado pelo Superior Tribunal de Justiça; senadores e deputados federais são julgados pelo Supremo Tibunal Federal; presidente na República nos crimes de responsabilidade (sim, há ainda os crimes comuns) é julgado pelo Senado da República presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Nessa ordem de ideias, para que sejam colhidas provas (uma interceptação telefônica, por exemplo) contra um senador é necessária autorização do Supremo.  A prerrogativa de função é a "bola da vez": muitos estão clamando para que haja uma reforma e ela deixe de existir. Eu falaria mais sobre o tema, mas o farei em outra ocasião.
De qualquer forma, educando mais e melhor as pessoas, não haveria necessidade de muitas leis.
Silvio Artur Dias da Silva

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...