Ela
tinha pouco menos de 18 anos e gostava de freqüentar bailes. Naquela noite,
estava num desses “bailões” da periferia e chegou a hora de ir embora. Como
precisava atravessar um local ermo, pediu a um casal que conhecia que a
acompanhasse por um trecho. O casal concordou. Acompanhou-a. Vencido o pior
trecho, o casal retornou ao “bailão” e ela prosseguiu sozinha. Não foi muito
longe: materializou-se na sua frente um homem que começou a desferir socos no
rosto e em outras partes do corpo. A agressão levou-a à semi-inconsciência. Foi
estuprada.
Socorrida
num hospital, quando ainda permanecia internada, a autoridade policial – no
caso, da Delegacia da Mulher – que investigava o fato, compareceu ali para
ouvi-la e levou consigo algumas fotos. Ela prontamente reconheceu dentre
aquelas fotos a do seu algoz e asseverou, ao descrevê-lo: “ele tem uma cicatriz
de corte que passa por toda a lateral esquerda de seu rosto”. A autoridade, com
base nesse reconhecimento, indiciou um homem que já estava preso. Representou[1] no
sentido da decretação da prisão preventiva.
Indo
os autos de inquérito policial ao Promotor de Justiça, este endossou o pedido
da autoridade policial e foi decretada a prisão do acusado. Ele foi ouvido por
carta precatória em outra comarca. Foi designada data de audiência para que
fossem colhidos os depoimentos das testemunhas de acusação, bem como as
declarações da vítima; nesse dia, coube a mim atuar na defesa do réu e, para minha
surpresa, deparei com um réu que não tinha nenhuma marca no rosto, nem aquelas
deixadas por espinhas da adolescência.
Sabido
que nos presídios não são feitas cirurgias plásticas, nem de outras espécies,
imediatamente mostrei ao juiz a incongruência: como é que pôde ser aquela
pessoa indiciada, denunciada e presa se ela não tinha a principal
característica apontada no reconhecimento feito pela vítima, que era a cicatriz
em toda a lateral do rosto? A meu pedido, o juiz determinou que o acusado fosse
submetido a exame pericial pelo IML e que o laudo viesse acompanhado de
fotografias, a fim de que ficasse mais evidente o disparate.
A
vítima nunca foi ouvida: mudou de endereço, sem deixar o novo. Seria bom que
ela fosse ouvida: talvez assim o equívoco fosse desfeito.
[1] . Esse é o verbo que o
Código de Processo Penal utiliza: tanto o Delegado de Polícia, quanto o Promotor
de Justiça, devem representar ao Juiz de Direito no sentido de que seja
decretada a prisão preventiva (ou temporária, se for caso). Somente o Juiz de
Direito pode decretar prisão – felizmente!
Comentários
Postar um comentário